Segundo dados apresentados no World Drug Report 2024, o uso não médico de cannabis entre a população adulta tem mostrado uma tendência crescente, especialmente no uso frequente ou diário da substância. O relatório apresenta que essa elevação acontece de forma destacada entre os jovens adultos, refletindo uma mudança de comportamento em países como Canadá, Uruguai e Estados Unidos. A publicação detalha que a expansão do consumo não é exclusiva dos períodos pós-legalização, sugerindo uma dinâmica mais complexa que precede a mudança legislativa.

O estudo informa que no caso dos Estados Unidos, o aumento do uso de cannabis pode ser observado desde 2007 e 2008, muito antes da legalização formal em 2012. O relatório segue apontando que durante esse período, dispensários de cannabis medicinal começaram a operar em estados como Colorado e Washington, evidenciando um crescimento prévio à legalização do uso recreativo. A publicação diz que dados recentes indicam que o uso de cannabis entre adultos aumentou quase três vezes entre 2002 e 2022, especialmente no uso mensal e diário entre os maiores de 18 anos. Mesmo com a legalização em estados específicos, a diferença entre estados que permitiram e os que não permitiram o uso de cannabis continua a existir, mas as tendências gerais são semelhantes. O documento informa também que a United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC) destaca que a legalização pode ter acelerado uma mudança que já estava em andamento, ao invés de ser a única causa do crescimento do uso.

Em relação ao gênero, nota-se no estudo que o uso de cannabis continua a ser mais prevalente entre os homens, embora a diferença entre os sexos tenha diminuído, como por exemplo no Canadá e nos Estados Unidos. De acordo com os dados, nos Estados Unidos, o uso de cannabis entre mulheres mais que triplicou de 2003 a 2022, uma taxa de aumento maior do que a observada entre os homens. No Canadá, após a legalização, houve um aumento considerável no uso de cannabis entre jovens adultos de 20 a 24 anos, com picos no uso diário e quase diário, embora o consumo diário tenha mostrado uma leve diminuição em 2022. No Uruguai, o uso de cannabis na população geral aumentou 2,5 vezes entre 2006 e 2018, com um padrão semelhante observado após a implementação da política de legalização em 2015.

O relatório também aponta que, embora o uso de cannabis entre adolescentes nos Estados Unidos e no Canadá continue sendo mais alto do que em outros países, esse número tem se mantido relativamente estável ao longo dos anos, mesmo com a queda observada durante a pandemia de Covid-19. Os dados indicam que, enquanto o uso regular de vaporizadores de cannabis aumentou entre os adolescentes da América do Norte, o uso diário permaneceu inalterado.

Sobre o assunto, Miler Nunes Soares, médico psiquiatra e responsável pela Clínica de Recuperação Para Dependentes Químicos Granjimmy, afirmou que a análise do relatório sobre o aumento do uso de cannabis em diversos países, incluindo Canadá, Uruguai e Estados Unidos, levanta preocupações para a saúde pública e o tratamento de dependências. Miler continuou dizendo que o crescimento no uso de cannabis entre a população adulta, em especial entre jovens adultos, reflete uma mudança nos padrões de consumo que não pode ser ignorada, especialmente em um contexto de reabilitação e prevenção de dependências. “Embora as políticas de legalização possam ter contribuído para um aumento no uso, o consumo de cannabis já estava em ascensão antes dessas mudanças legislativas. O consumo não é apenas uma questão de legalidade, mas uma questão de saúde mental e dependência que precisa ser abordada com estratégias de prevenção e tratamento mais eficazes”.

Ainda sobre o relatório, é possível observar que o Uruguai apresentou uma realidade diferente: o uso de cannabis entre adolescentes dobrou entre 2003 e 2021. No entanto, desde 2016, as taxas de uso têm se estabilizado, o que sugere que a política de legalização implementada em 2015 pode ter contribuído para interromper a trajetória ascendente, segundo o estudo. A publicação também cita que esse dado é um indicativo de que, em alguns casos, políticas públicas de controle e regulamentação podem ter impactos diretos na moderação do uso entre grupos mais jovens.

Perguntado sobre o assunto, Miler afirmou que as regulamentações podem ter algum efeito na moderação do consumo. “Para a nossa prática, isso é um indicativo de que a implementação de políticas públicas mais rigorosas, juntamente com programas de educação e prevenção, pode ajudar a conter o aumento do uso de substâncias e proteger grupos vulneráveis, como os adolescentes”. Miler continuou dizendo que a ideia de que a legalização não impactou significativamente o uso entre adolescentes pode ser um tanto superficial, pois outros fatores, como a percepção de risco, também influenciam o consumo, como observado na unidade da Clínica de Recuperação em Rondônia. “A mudança na percepção de risco, com um número crescente de adolescentes que consideram o uso regular de cannabis como arriscado, é um dado positivo. Isso pode indicar que campanhas de conscientização e estratégias de prevenção estão começando a surtir efeito. No entanto, é crucial que continuemos a monitorar essa variável de perto, pois qualquer retrocesso na percepção de risco pode levar a um aumento na prevalência do uso, o que sobrecarregaria os serviços de saúde e as clínicas de reabilitação”.

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