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Escolas estudam abolir dever de casa; SP já tem exemplo

Tarefa, lição, dever de casa. Palavrinhas comuns no dia a dia de muitos estudantes, pais ou responsáveis, afinal, faz parte da cultura escolar brasileira. Porém, a expansão do ensino integral e a busca por tornar o processo de aprendizagem mais atraente têm feito escolas repensarem a necessidade do dever de casa e até cogitarem o fim do modelo, o que já é uma realidade em algumas unidades de ensino.

É o caso da Teia Multicultural, escola fundada há 18 anos em Perdizes, na zona oeste de São Paulo. “Os pais já vinham demonstrando bastante dificuldade em ter tempo com os filhos para tarefas domésticas, entretenimento, conversas, diversão, situações que são muito importantes para crianças e adolescentes. Portanto, a Teia foi idealizada com sete horas diárias”, explica Georgya Corrêa, diretora pedagógica da escola e da Edutech Asas Educação.

Para Georgya, sete horas dentro de uma escola é um tempo razoável para ser dedicado ao projeto do desenvolvimento das diferentes habilidades e por alguém que tenha como conduzir essas investigações.

Segundo a diretora pedagógica, os principais motivos que a levaram a construir um projeto sem a necessidade de lição para casa é o fato das crianças não terem alguém com conhecimento necessário para orientá-las e também usar o pouco tempo que sobra para convivência familiar para realização de tarefas escolares.

O que não impede, de acordo com Georgya, o envio de um trabalho para ser feito em casa de algo que se relacione com o ambiente doméstico, a vida familiar ou até mesmo experiências realizadas fora do ambiente escolar. “Aí sim vale a pena a gente mandar isso como uma tarefa porque fará sentido. Não é algo só para repetição, até porque as crianças e adolescentes também precisam de uma pausa, mesmo para aprendizagem”, enfatiza.

No Brasil, onde o debate ainda engatinha, a adesão ao fim da lição de casa é mais forte nas escolas de ensino integral — que representam só 15% das instituições do país. A universalização do modelo é uma das metas do ministro da Educação, Camilo Santana, que anunciou neste mês a liberação de R$ 4 bilhões para ampliar em 1 milhão as vagas desta modalidade nas escolas de educação básica do país.

A jornada de oito horas diárias de aulas permite que os estudantes concluam as atividades previstas na grade curricular enquanto ainda estão no colégio. Para Maria Belintane, doutora em Educação e especialista em educação financeira, é muito bom que se esteja discutindo qual é a função da tarefa de casa, mesmo porque isso é um problema que, segundo ela, se arrasta há décadas. 

Segundo a especialista, é preciso repensar o dever de casa como obrigação da família e da criança. “O papel da família em relação à vida escolar do filho é estar junto para o desenvolvimento das suas responsabilidades, de acolhimento e acompanhamento no que diz respeito ao desempenho das crianças. É estar presente em momentos que essa criança necessite de um apoio maior, como oferecendo recursos para uma pesquisa na internet, por exemplo”.

No entanto, afirma Maria Belintane, o apoio da família que o professor e a escola espera vai um pouco além. “Passa conteúdo, tarefa e espera que os pais ajudem os filhos com as dificuldades e com isso mistura-se qual é a responsabilidade da escola e da família. Ambas têm a reponsabilidade de educar a criança e adolescente, cada uma na sua área, portanto, não se pode atribuir à família a responsabilidade de suprir uma necessidade pedagógica”, comenta.

Mudança de paradigma

De acordo com a especialista, a tarefa aplicada é fruto de uma educação tradicional, arbitrária, que não considera as potencialidades da criança e mais do que isso, não traz para a prática pedagógica.

“Não é porque vou dar 20 expressões numéricas ou 20 continhas para fazer em casa que esse tipo de atividade vai melhorar a capacidade da criança em realizar contas. Com certeza o exercício é importante, aprimora, mas não dessa maneira automática, sem desafios, sem fazer a criança pensar, sem que ela desenvolva um projeto dela própria”

Diretor executivo do Asas Educação e da Teia Multicultural, Lucas Briquez diz que inicialmente a lição de casa seria uma oportunidade ao estudante que não terminou uma atividade em sala de aula, concluir posteriormente. Com o decorrer do tempo, no entanto, foi se tornando quase que um novo turno de estudos na vida dos alunos.

“Muitas vezes, muito novos ainda, que têm muita oportunidade de aprender brincando, acabam sentando ali para ficar decorando, realizando atividades, para reforçar algo que deveria ter sido feito durante a escola. Não vejo sentido algum nessa prática”, afirma.

Para Briquez, incumbir a família da função de desenvolver, auxiliar os estudantes no desenvolvimento das áreas do conhecimento acaba se tornando muitas vezes traumático. “Vimos isso na pandemia [da Covid-19]. Muitas escolas deixaram parte do desenvolvimento ao encargo das famílias. A gente viu o quanto de dificuldade isso gerou”.

Segundo o diretor executivo do Teia Multicultural, um professor, além de ter a formação, deve estar sempre em busca de aprimorar sua capacidade de lecionar assim como qualquer outro profissional para realizar um bom trabalho. Portanto, tem que estar sempre estudando, se renovando, experimentando coisas novas. 

“E como que a gente pode esperar que uma pessoa que tenha uma outra profissão [refere-se aos pais ou responsáveis] tenha a mesma capacidade de desenvolver esse trabalho com as crianças. Não tem. E por ser uma questão familiar, impacta muito mais. Para uma criança, às vezes, não acertar um resultado quando está com a professora já é uma situação que pode ser um pouco desagradável, mas quando no lugar da professora está a mãe ou pai, a situação se torna muito mais poderosa e possivelmente traumática”.

Exemplo de SP

Em Americana (SP), o Colégio Americanarealiza um processo de ressignificação da tarefa para que a criança possa entender sua importância, bem como o objetivo dela. “Dizer que é fácil criar o hábito dos estudos, não é. Mas, ainda, acredito que a escola precisa ser vista como prioridade e que os assuntos relacionados à ela são os principais motivos pelos quais os adolescentes se reúnem pós-aula. E essa convivência também é construída”, comenta Adriane Santarosa dos Santos, mestre em Educação, diretora e proprietária do colégio.

Para Adriane, o dever de casa é importante para mostrar que estudo e leitura também se faz fora do ambiente escolar. Ela acredita ser necessário ter em casa, um espaço para ler, guardar material, escrever, fazer pesquisas, entre outros.

A educadora também enxerga a lição como uma oportunidade da família poder enriquecer com as experiências, uma vez que o estudo precisa ser uma parceria escola-família. “Se for para manter uma rotina, diria que o dever de casa deveria ser quatro vezes na semana, mas é importante considerar o tempo para realização das tarefas e se são escolas de período integral”, pontua.

Adriane afirma que no dia a dia percebe que quando há solicitação de tarefas para crianças de educação infantil do 1º e 2º ano, há bastante envolvimento e alegria em realizar as atividades. A partir do 3º até o 5º ano, as famílias apoiam, mas a obrigação e o hábito ficam mais para o aluno, que resistem um pouco.

Do 7º ano em diante, a educadora diz que há resistência, mas o senso de obrigação fica mais forte e os estudantes fazem o dever de casa com “menos resistência”.

“Sempre há casos específicos que precisam de ações mais diretas e específicas. Mas o professor também precisa usar a tarefa como continuidade, complemento e necessidade para que ela seja realizada”, conclui.

Com Fora do Eixo

Francisco

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