Em 2013, o casamento coletivo, evento secundário que acontece dentro do São João de Campina Grande, no Agreste da Paraíba, celebrou as primeiras uniões homoafetivas da história. Ato representativo, já que desde 2011 o casamento homoafetivo foi considerado constitucional e regulamentado, no Brasil, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta sexta-feira (17) é celebrado o Dia Internacional contra a Homofobia, a Transfobia e a Bifobia e o Núcleo de Dados da Rede Paraíba de Comunicação analisou algumas estatísticas sobre os casamentos e crimes relacionados à comunidade LBGTQIA+.
O primeiro casal homoafetivo a dizer sim dentro da pirâmide do Parque do Povo, onde acontece a maior parte da programação do São João de Campina Grande, era formado pelo funcionário público Mário Wilson e o garçom João Leal, que apesar de hoje não estarem mais juntos, reconhecem a importância, para a sociedade, da decisão que tomaram.
“O nosso objetivo era muito pessoal e íntimo. Queríamos nos casar por uma questão de seguridade e de exercício de direitos. E, claro, sabíamos que após o nosso casamento, haveria uma abertura maior, um reconhecimento, por parte das pessoas, em relação à realização de casamentos, já que se trata de um casamento civil. Então, isso foi muito importante para a população LGBT de Campina Grande, que passou a entender e desfrutar dos seus direitos. Inclusive, o de casar”, disse Mário.
O casamento coletivo celebra 32 edições realizadas neste ano de 2024 e durante essas décadas de história, mais de dois mil casais já disseram sim. Durante a oportunidade, os casais têm todos os gastos relacionados à união, que vão desde as taxas de cartórios, até as vestimentas tradicionais, pagos pela prefeitura da cidade. A professora e pesquisadora Giseli Sampaio, que esteve na organização do evento durante mais de 10 anos, falou sobre a importância do casamento coletivo para o acesso ao exercício do direito de casar.
“Desde a década de 90, quando o casamento coletivo surgiu, a ideia sempre foi celebrar a data do dia dos namorados, onde também é comemorado o dia do Santo Casamenteiro, Santo Antônio, utilizando a forma legal, para garantir o acesso, principalmente, aos casais mais humildes, de se casarem”, disse Giseli.
A professora também falou sobre a importância da celebração de casamentos homoafetivos dentro do evento. “Em 2013 foi o primeiro ano em que tivemos uniões homoafetivas. Essa primeira união foi tão emblemática e significativa, que desde então os números de casais do mesmo sexo com interesse em utilizar a festa para se casar só cresceu”, afirmou.
Os casamentos entre pessoas do mesmo sexo vêm crescendo na Paraíba. Segundo dados das estatísticas do registro civil, divulgadas em abril deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de casamentos entre pessoas do mesmo sexo cresceu 90,3% em dois anos. O crescimento é maior que o número de casamentos entre pessoas do sexo oposto, que apresentou alta de 30,7%.
O levantamento considera apenas os casamentos civis registrados em cartório, e não as uniões estáveis. Foram 198 registros de casamentos homoafetivos em 2022. Os casais entre mulheres representam 64% do total.
Já de acordo com a Associação dos Notários e Registradores da Paraíba (Anoreg-pb), em 2013, primeiro ano de vigência da autorização nacional dos casamentos homoafetivos, foram 29 celebrações, seguidas por 31 em 2014, 49 em 2015, 58 em 2016, 89 em 2017 e 105 em 2018.
Em 2019, foram 112 celebrações, enquanto em 2020, primeiro ano da pandemia, totalizou 104. No ano de 2021 os matrimônios tiveram um aumento significativo sendo 139 atos realizados. Em 2022, a Paraíba atingiu um recorde, sendo 227 casamentos realizados, aumento de 63% em relação ao ano anterior.
Apesar de já terem se passado mais de 10 anos e com o acesso a direitos como o reconhecimento do artigo 5º da constituição, que define, desde 1988, que todos são iguais perante a lei “sem distinção de qualquer natureza”, a violência não cessou, nem deixou de existir.
A Paraíba registrou 73 assassinatos contra a comunidade LGBTQIA+ somente de 2017 a 2022. Os dados são do Relatório Acompanhamento dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (Sedh) solicitados e analisados pelo Núcleo de Dados da Rede Paraíba de Comunicação.
No total, 27 municípios paraibanos registraram casos de Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI) contra essa população. João Pessoa registrou o maior número de casos, totalizando, entre 2017 e 2023, 30 casos de CVLI, o que corresponde a, aproximadamente, 41% dos casos dos últimos sete anos. Em seguida aparecem Campina Grande e Santa Rita, onde ambas registraram cinco casos. Patos, no sertão do estado, ficou em terceiro lugar, com o registro de quatro casos de crimes letais contra a comunidade.
Um detalhe importante que foi identificado durante a análise dos dados é o quanto é jovem a população LGBTQIA+ que tem o direito básico à vida interrompido, já que 50% das pessoas das comunidades assassinadas entre 2017 e 2023, na Paraíba, tinham entre 18 e 39 anos de idade.
Um outro dado relevante é o quantitativo de homens gays que foram assassinados por LGBTfobia no estado, que lidera com 40 dos 73 casos ocorridos de 2017 a 2023, o que corresponde a 55% do total.
O segundo grupo mais assassinado na Paraíba é o de mulher trans e travestis, com 27 casos, o que corresponde a 37%, no mesmo período.
O advogado, professor universitário e mestre em direitos humanos, Camilo de Lélis Diniz, fez uma análise dos últimos dados divulgados.
“Infelizmente, apesar dos avanços que tivemos nos últimos anos, onde o Brasil construiu, mais até pela via jurisprudencial do que legislativa, um acervo de garantias para a população LGBT, ainda temos esses fatos criminosos que acabam ferindo os direitos e a dignidade.”
Camilo falou sobre a importância do exercício do direito de casar para os casais homoafetivos. “As uniões entre pessoas do mesmo sexo sempre existiram. Não é nada absurdo ou fora da realidade. O STF finalmente reconhece a união estável entre casais homoafetivos em 2011 e essa união é bem parecida com o casamento. E era o caminho normal que essa decisão se consolidasse, como realmente aconteceu pelo Conselho Regional de Justiça, em 2013. Esse reconhecimento, apesar de tardio, é muito importante. O casamento é, como costumo dizer, um direito ‘guarda-chuva’. Debaixo do casamento você vai ter direitos previdenciários, direito à adoção e, o mais importante: o reconhecimento de que essas uniões existem e que essas pessoas merecem viver essa escolha.”
Para Camilo, também, a subnotificação deixa os dados fornecidos pelas forças de segurança ainda distantes da realidade violenta do estado.
“Infelizmente, nós não temos sequer uma segurança absoluta desses dados porque, na maioria das vezes, são crimes que são registrados pelos movimentos sociais. Existe uma cifra cinzenta, que são aqueles casos de crimes que acontecem, mas que a motivação acaba ficando oculta e nós não podemos dizer com certeza de que a motivação foi lbgtfobia. O Brasil é um país muito violento e essa questão não é jocosa, não é motivo de piada. Essa violência chega a níveis extremos, de, inclusive, ceifar a vida de uma pessoa”, afirmou.
Ítalo Porto e Edielson Silva estão juntos desde 2010 e a história de amor, que começou em clima junino, no ensaio de uma quadrilha, e, em seguida, enfrentou o preconceito, a desaprovação de familiares e vários outros desafios ganhou um final, ou, na verdade, um novo começo, extremamente feliz: com um sim, na Pirâmide do Parque do Povo, com uma marcha nupcial tocada na sanfona e com os aplausos de quem entende que amar é para todas as pessoas.
“Participávamos da quadrilha Junina Mistura Gostosa, mas nunca tínhamos tido interesse um pelo outro. Em uma viagem ao Rio de Janeiro, aconteceram as primeiras trocas de olhares e só depois nossa história realmente começou”, contou Edielson.
Parece simples e, na verdade, é: o casamento é para pessoas que se amam, que escolhem e que desejam estar juntas e ter o direito constitucional de casar em um cartório de registro civil ou até no Parque do Povo. Pessoas que sonham em ficar para sempre juntas ou até aquelas que ressignificam seus relacionamentos ao longo do caminho e que precisam ter seus direitos assegurados, protegidos e, ainda, infelizmente, relembrados.
“A gente sabe que hoje em dia ainda existe preconceito e várias coisas são difíceis. Querendo ou não, quem é LGBTQIA+ passa por esse tipo de coisa para simplesmente conseguir viver em paz o que nasceu para viver. Foram momentos difíceis, mas sem dúvidas, o amor sempre prevalece”, finalizou Italo.
Com G1/PB
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