O estado de São Paulo é o primeiro do Brasil a colocar em votação o aumento e a progressividade do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). O Projeto de Lei 7/2024 está, atualmente, em análise pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
Essa alteração está em consonância, inclusive, com as disposições inscritas na Emenda Constitucional 132/2023, que legisla sobre a recente reforma tributária no país. Se aprovada, a medida pode servir de inspiração para que outros estados do Brasil tomem medidas similares.
“Enquanto outros estados mantêm alíquotas mais uniformes para o ITCMD, a adoção de uma estrutura progressiva em São Paulo poderia servir como um modelo para reformas similares em outras unidades federativas, contribuindo para um sistema tributário mais equitativo em todo o país”, destaca Roger Mitchel, diretor da Contabilidade Internacional.
O que é o ITCMD e o que a Lei atual diz sobre ele
Mitchel explica que o ITCMS é um imposto que “incide sobre a transferência de qualquer bem ou direito, seja como resultado da morte do proprietário (causa mortis) ou através de uma doação (entre vivos).”
A tarifa existe desde a Constituição de 1988 e está presente também no Código Tributário Nacional. Cada estado brasileiro pode definir as próprias regras e alíquotas desde que estejam dentro dos limites estabelecidos pela legislação.
Em São Paulo, atualmente o ITCMD possui uma alíquota única de 4% em cima do valor herdado ou doado. De acordo com o texto da PL 7/2024, proposta por Donato (PT), esse percentual “não leva em consideração as diferentes realidades patrimoniais existentes entre os contribuintes, resultando em uma carga tributária desproporcionalmente pesada para alguns e leve para outros.”
Quais são as mudanças propostas para o ITCMD
Segundo Roger Mitchel, a proposta de progressão do ITCMD é um valioso instrumento fiscal com potencial redistributivo. “Ao taxar transmissões patrimoniais significativas, o imposto busca contribuir para a redução das desigualdades sociais e econômicas, embora sua eficácia neste aspecto dependa largamente da estruturação de suas alíquotas e isenções”.
O diretor ressalta, ainda, que “essa mudança tem como objetivo principal tornar o imposto mais justo, fazendo com que aqueles que recebem maiores valores contribuam proporcionalmente mais para os cofres públicos.” O texto da PL cogita que, no lugar da atual alíquota única de 4%, o ITCMD seja cobrado de acordo com a seguinte progressão:
– Para valores de até 10.000 UFESPs (até R$ 353.600,00): aplicação de alíquota de 2%
– Valores entre 10.000 e 85.000 UFESPs (de R$ 353.600,00 a R$ 3.005.600,00): aplicação de alíquota de 4%.
– Valores de 85.000 a 280.000 UFESPs (R$ 3.005.600,00 a R$ 9.900.800,00): aplicação de alíquota de 6%.
– Valores acima de 280.000 UFESPs (acima de R$ 9.900.800,00): aplicação de alíquota de 8%.
A proposta, no entanto, não altera as isenções já garantidas na Lei.
Benefícios e altercações da mudança no ITCMD
A alteração do ITCMD discutida em São Paulo representa um avanço no sistema tributário brasileiro. Contudo, apresenta desafios e críticas. Para Mitchel, apesar do impacto positivo que essa mudança traz em termos de equidade fiscal, a proposta enfrenta resistência. “Críticos apontam possíveis efeitos negativos sobre a economia, como a desincentivação da acumulação de patrimônio e a fuga de capitais para estados ou países com regimes fiscais mais lenientes.”
O diretor explica que, para além dos aspectos técnicos e financeiros, a mudança toca em questões mais sensíveis como o papel social e econômico dos impostos. “De fato, o impacto não se restringe apenas às questões financeiras imediatas, mas se estende também às estratégias de planejamento sucessório”.
Mitchel exemplifica citando o caso em que famílias e/ou indivíduos com patrimônios significativos possam buscar alternativas legais para minimizar os impactos da progressão do ITCMD, como, por exemplo, a realocação patrimonial para estados com tributação mais favorável. Outro risco também é o de evasão fiscal. “Assim, o desafio para o estado de São Paulo é encontrar um equilíbrio entre promover a justiça fiscal e manter um ambiente econômico estável e atrativo” pontua.
O Brasil não é o único país do mundo a repensar a questão tributária sobre o patrimônio deixado em testamento ou doado. Países como França, Alemanha e Estados Unidos já possuem alíquotas que variam de acordo com o grau de parentesco entre doador e beneficiário e o valor transferido.
Roger Mitchel acredita que tais países possam oferecer importantes lições ao Brasil sobre o tema. “A experiência internacional mostra que uma política tributária eficaz não se limita à definição de alíquotas. Ela também envolve um esforço contínuo para melhorar a administração tributária e para educar os contribuintes sobre suas obrigações e direitos”.
Ele também destaca um ponto sensível dessa discussão: a desigualdade social. Para ele, a simples mudança da taxação, por si só, não resolverá essa questão. Para ele, ocorrerá o oposto: as atuais posições sociais podem ser cimentadas, impedindo, assim, que futuras gerações consigam ascender.
“Os super ricos vão enviar patrimônio para locais que não cobram inventário nem imposto sobre a herança, e os pobres serão taxados por inventário e imposto sobre a herança. Os filhos dos ricos permanecerão ricos, e os filhos dos pobres continuarão pobres”, enfatiza o diretor.
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