O Nordeste é a região do país com maior concentração de grupos, que atuam no campo do ativismo feminista, liderados por mulheres cis, trans e outras transidentidades. A conclusão é da pesquisa Ativismos Feministas e Filantropia Transformativa Pós-Pandemia, levantamento inédito coordenado pelo ELAS+ Doar para Transformar. O documento revela que 35% das organizações pesquisadas está em atuação no Nordeste brasileiro. O Sudeste aparece em segundo lugar, com 34%, seguido do Norte com 11%. A região Sul aparece em quarto lugar, concentrando 9% das iniciativas, e o Centro-Oeste está em último, com 6% dos registros.
Para a diretora de Programas do Instituto Ibirapitanga, Iara Rolnik, esses dados revelam um movimento importante de ser observado pela filantropia. “O maior número de organizações no Nordeste é um dado que a gente tem que olhar com muito carinho. Isso, historicamente, é uma inversão da concentração das organizações no Sudeste. Tanto do ponto de vista do financiamento como do ativismo, é um momento de inversão que precisamos olhar de forma muito atenta”, avaliou a especialista.
O levantamento constatou também que os territórios de atuação dessas iniciativas são muito abrangentes. De acordo com a pesquisa, 73% dos grupos atuam em periferias urbanas, mas não de maneira isolada. Eles têm abrangência também nos centros urbanos, que aparece como local de atuação de 49% das organizações. Zonas rurais e territórios quilombolas também são citados.
Iara Rolnik, que participou do seminário de lançamento da pesquisa, destaca o que chama de multiterritorialidade das organizações. “Os dados mostram que os grupos e organizações não ficam limitadas a apenas um território. Isso é importante para entender a estrutura dessas organizações e para pensar nessa multiterritorialidade já no começo da atuação”, avaliou a especialista.
Perfil
A pesquisa foi realizada com 441 grupos que se inscreveram para participar do edital Mulheres em Movimento 2023, organizado pelo ELAS+, e autorizaram a análise dos dados. O levantamento investigou o perfil das organizações e revelou que a grande maioria, 80%, é liderada por mulheres negras. Pessoas LBTIs aparecem como lideranças em 52% dos grupos. Pessoas com deficiência (PCD) estão à frente de 12% das organizações e mulheres indígenas lideram 10% das iniciativas pesquisadas.
Para a idealizadora e diretora-geral do ELAS+, Amalia Fischer, a pesquisa demonstra a interseccionalidade na prática, já que a maioria dos grupos é composta por dois ou mais tipos de perfis analisados. “A gente consegue perceber como os movimentos liderados por mulheres integram uma gama muita diversa de perfis, marcados por interseccionalidades de gênero, raça, etnia e orientação sexual, por exemplo. Essa diversidade garante a compreensão mais apurada das necessidades em cada localidade e a construção de soluções reais em busca da justiça social”.
Acesso a recursos
Apesar de terem se destacado como ágeis e resilientes ao atender as demandas emergenciais que surgiram durante a pandemia, as organizações de mulheres continuam enfrentando os mesmos desafios de acesso a recursos. De acordo com o levantamento, 94% das organizações pesquisadas afirmam encontrar dificuldade de financiamento das atividades. Entre os principais entraves, a maioria citou a burocracia e a exigência de CNPJ.
Para garantir a continuidade dos trabalhos, as organizações apontam o voluntariado como principal alternativa. Doadores individuais e comercialização de serviços e produtos também estão entre as fontes de financiamento mais citadas. A analista de Programas do ELAS+ responsável pela pesquisa, Iracema Souza, chama atenção para o distanciamento entre a maneira como os grupos de mulheres se organizam no Brasil e o universo dos doadores. “Mesmo com a ampla atuação das mulheres, a relevância do trabalho que é feito, a efetiva e rápida atuação em momentos críticos como os vivenciados durante a pandemia, não houve uma mudança expressiva no cenário dos recursos. Os doadores precisam repensar suas exigências e formas de doação”.
O levantamento é uma atualização da pesquisa Ativismo e Pandemia no Brasil, coordenada pelo ELAS+ em 2021, e que revelou muitos desafios, mas também muita resistência, inventividade e celeridade dos ativismos feministas durante a pandemia. Agora, Ativismos Feministas e Filantropia Transformativa Pós-Pandemia analisa como o cenário pós-calamidade tem influenciado as organizações lideradas por mulheres no país. A íntegra dos dois levantamentos está disponível no site do ELAS+.
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